segunda-feira, 14 de setembro de 2015

     Realizando algumas leituras sobre infâncias, me deparei com este registro no espaço ComKids Colunistas, escrito por Gabriela Romeu, jornalista e documentarista, e também uma das idealizadoras do projeto Infâncias (www.projetoinfancias.com.br). E, refletindo sobre a pergunta que nos foi colocada: Que infâncias nós produzimos e que se produzem nos dias de hoje? Quais as várias formas de experienciar as infâncias?, achei que esta postagem serviria para refletir, indo bem ao encontro sobre o que ouvimos, relatamos e vivenciamos, dentro do que foi e será abordado na aula de Psicologia-Infância de 0 a 10 anos, por isso, resolvi compartilhar.
                 Por que produzimos para crianças?
“(…) a infância é devir; sem pacto, sem falta, sem fim, sem captura; ela é desequilíbrio; busca; novos territórios; nomadismo; encontro; multiplicidade em processo, diferença, experiência. Diferença não numérica, diferença em si mesma; diferença livre de pressupostos. Vida experimentada; expressão de vida; vida em movimento; vida em experiência.”
Entre os muito encontros produtivos promovidos durante o ComKids – Prix Jeunesse Iberoamericano 2013, talvez o mais instigante tenha ocorrido com o filósofo argentino Walter Kohan, que convidou a plateia de produtores, diretores, editores, animadores, entre outros profissionais dedicados à produção cultural para crianças, a inaugurar um ciclo de perguntas sobre seu próprio fazer e concepções de infância.
Numa fala mansa, o professor titular da Filosofia da Educação da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) começou questionando o lugar onde a infância é colocada pelo mundo adulto – um vir a ser, um tempo meramente cronológico e de passagem. Ou uma “caixinha” onde depositamos tudo de melhor e bem intencionado que produzimos.
Lembrou que, quando iniciou um trabalho de filosofia com crianças nas escolas, imaginava poder fazer filosofia para crianças para que elas pudessem pensar o que não pensavam. Foi então entendendo que não seria a filosofia que educaria a infância, mas que a infância educaria a própria filosofia. Filosofar, logo avisou, é se surpreender com o mundo assim como fazem as crianças.
Para falar de filosofia, resgatou a própria infância do pensamento filosófico, que nasceu na Grécia antiga, com Sócrates, que dizia que uma vida sem perguntas não merecia ser vivida.
Pensar a infância exige pensar o tempo, explica Kohan. Para os gregos da Antiguidade, três palavras diferentes indicavam o tempo ou a ideia de temporalidade: Cronos, Kairós e Aión.
Cronos, definido como o “número do movimento segundo o antes e o depois”, é a medida do tempo, um tempo irrecuperável. Segundo Cronos, o tempo é passado e futuro. Ninguém pode parar Cronos, o tempo das previsões e dos calendários. Já Kairós é o tempo enquanto oportunidade. Os movimentos em Kairós não são qualitativamente iguais. Se em Cronos os segundos são os mesmos, um minuto pode ser bem diferente do outro em Kairós.
A terceira dimensão do tempo é Aión, que é o tempo da experiência, do acontecimento, do pensamento, da contemplação. É o tempo experimentado e não o que se passa exatamente. Aión é também o tempo do brincar de uma criança. “Aión é uma criança que brinca, seu reino é o de uma criança”, segundo Heráclito.
Enquanto os adultos governam em Cronos, as crianças reinam em Aión. Quando uma criança brinca, ela não está instalada em Cronos. Matamos a brincadeira quando a delimitamos nos ponteiros de um relógio. Quem brinca de verdade respeita o tempo da brincadeira, que é diferente do tempo da agenda ou do compromisso.
Então o que é a infância em relação ao tempo? Regidas por Cronos, as crianças crescem acompanhando calendários e têm seus cotidianos encaixados em agendas estressadas. A produção cultural para a infância é também dividida em faixas etárias (filmes indicados para quem tem entre 7 e 11 anos, por exemplo). É uma vida pensada em etapas.
Kohan, no entanto, nos convida a adentrar a infância pela porta de Aión. Assim, a infância não é apenas questão de idade; é condição de experiência. “Se a infância não é só uma experiência cronológica, mas uma experiência aiôica, estar dentro ou fora da infância não tem a ver com quantos anos se tem. Basta sair às ruas e ver que muitas crianças não têm experiência de infância e também que há muitas experiências de infância fora da idade cronológica das crianças”, exemplifica o professor de filosofia.
Seguindo a lógica do pensar filosófico, Kohan voltou a perguntar à plateia:
“Por que levamos o pensamento ou a arte para a infância?”.
“Para que elas, as crianças, se desenvolvam”, respondeu alguém.
“Mas, se são elas que vão desenvolver, porque temos que levar isso pra elas?”, voltou a perguntar o professor.
“É para provocar mais perguntas, gerar curiosidade”, outra pessoa acrescentou. “E as crianças já não são tão cheias de perguntas”, o filósofo insistiu.
“Acho que na verdade levamos as respostas para elas”, outra pessoa arriscou.
“Sabemos de verdade algo sobre a infância?”, insistiu nas questões o professor de filosofia, relembrando o que tinha explicado sobre a filosofia – quanto mais mergulhamos na filosofia menos sabemos, já que tudo aquilo que sabíamos é transformado em perguntas. Ao acompanhar o pensamento de Kohan, fomos caminhando por uma estrada mais cheia de questionamentos e com bem menos afirmações. Parecia um caminho mais honesto e seguro para trilhar as rotas da infância.
Terminamos com mais perguntas, várias, sobre a infância, a produção de conteúdos para a infância, o lugar da infância, entre outras questões provocativas. Eu me lembro bem de uma delas, que reproduzo do modo mais fiel que consigo aqui: “Onde fica o ponto de ônibus para pegar o avião certo que nos levará até o tempo de Aión?”.
(Ainda bem que não era obrigatório acertar as respostas…)

Um comentário:

  1. Oi Maria Luiza! O texto no início em negrito fala um pouquinho do jeito que falamos no Curso também. É mais uma voz falando. A partir do que transcreves aqui eu confirmo que estamos no caminho certo. Mas pra início de conversa, sei que esta postagem já faz tempo que fizestes. Não há necessidade de modificar em nada. Apenas colocar a fonte. Há um link de onde tenhas copiado? Colocastes a fonte, mas o link facilita a conferência por quem desejar conferir e fazer novas leituras em relação ao tema. Isso precisa constar em tua postagem. Agora sobre o conteúdo: Realmente produzir para a infância é algo muito interessante e com certeza deve perpassar os valores dos que produzem. Que relação tu fazes sobre essas produções e a escola? Podemos estar fazendo alguma coisa se as produções não tratarem da infância como nós achamos que ela deva ser tratada? há o que fazer por nossos aluns? Podemos influenciar os pais e/ou responsáveis a pensar sobre isso? Terias exemplos para nos citar? Como falei não há a necessidade de modificar a postagem, contudo se desejares fazer algum comentário, a partir de meu comentário, fica a vontade. Apenas, como já falei também, se fizer comentário por favor, me avise por mensagem moodle para que nosso diálogo fique mais dinâmico, pois posso demorar a encontrar teu novo comentário se não for avisada. Ok? Abraço, Betynha ;0)

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